Retomando a série de posts sobre evolução tática no futebol, com base no livro Inverting the Pyramid, do jornalista inglês Jonathan Wilson, o assunto de hoje no blog Preleção é a contribuição dos russos às experimentações. País que demorou a ingressar no cenário do futebol europeu pelo isolamento geográfico, que impedia os russos de enfrentarem adversários estrangeiros, vivendo durante muito tempo de forma praticamente amadora.
A situação se alterou a partir de 1937, quando uma equipe do País Basco excursionou pela Rússia vencendo com facilidade as equipes locais. Enquanto os bascos atuavam no W.M de Herbert Chapman, os russos ainda estagnavam-se no 2-3-5 dos primórdios. E, assim como nos planos de recuperação da imagem do império na Inglaterra, ou na tentativa de fortalecer uma identidade nacional na Itália fascista, a política interferiu no futebol. Os comunistas não gostaram do massacre basco, e exigiram mudanças.
Pressionados, os técnicos russos debruçaram-se sobre as incipientes pranchetas táticas para estudar maneiras de evoluir. O primeiro passo, lógico, foi a disseminação quase imediata do então desconhecido W.M entre as equipes. E, a partir dele, adotaram a mesma política italiana incrementando a tendência tática com características locais. Também se buscou a profissionalização do campeonato nacional e a abertura para excursões, tanto dos russos para fora, como também a recepção aos estrangeiros no país.
Jonathan Wilson descreve o novo estilo russo implementado na década de 40 como a “desordem organizada”. Tendo o Dinamo Moscow como protagonista, o futebol da Rússia apresentou ao futebol uma estratégia pioneira: as trocas de posições. Desde o início, apesar de todo o crescimento do planejamento tático, e da evolução dos sistemas, os jogadores cumpriam funções e assumiam posicionamentos rígidos.
Tanto os meias-atacantes como também os pontas e o centroavante do Dinamo propunham um verdadeiro carrossel de inversões. O centroavante recuava para o meio, um dos pontas ingressava na área, os meias avançavam pelos lados. Mantendo sempre o desenho do “W” na frente, mas alternando os jogadores que ocupavam cada uma das posições. O que desestruturava a marcação adversária.
No W.M, a marcação era idêntica ao do 3-5-2 brasileiro: individual por função. E agravada pela referência numérica: em 1939, a FA inglesa determinou a adoção fixa dos números de 1 a 11, na ordem crescente por posição, tendo o 2-3-5 como default. Medida que impôs ao centroavante jogar com a 9, aos pontas atuar com 7 e 11, e aos meias vestir a 8 e a 10. Os marcadores tomavam os números como referência. No W.M, por exemplo, o zagueiro central “marcava o 9″, seus companheiros pegavam o 7 e o 11, e os meio-campistas centrais perseguiam o 8 e o 10. Encaixe espelhado perfeito. O famoso “cada um pega o seu”.
A movimentação dos russos destruía este paradigma numérico. O zagueiro central se via obrigado a seguir o camisa 9 aonde ele fosse, abrindo espaço para diagonais dos pontas, ou infiltração dos meias. E todos eles circulando, trocando de posições, arrastavam consequentemente seus marcadores como reféns de um recurso tático ainda não utilizado e, portanto, sem um antídoto.
Eles resgataram ainda o estilo escocês, e também da Danubian School, de passes curtos e valorização da posse de bola pelo chão, sem ligação direta ou correria dos wingers, como se fazia na Inglaterra. O capítulo no qual Jonathan Wilson trata da inovação russa é curto, mas revela a importância desta interpretação do Dinamo Moscow ao W.M, e também como a estratégia aplicada a um determinado sistema tático muda completamente seu funcionamento.
Eduardo Cecconi
Redator de Esportes - clicRBS
http://twitter.com/eduardocecconi
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