O assunto deste post surge de uma conversa que tive com dois amigos via Twitter. No debate, houve alguma divergência sobre nomes de laterais com capacidade de cumprir atribuições defensivas em atividade no futebol brasileiro. É uma boa oportunidade de falar sobre esta posição: o lateral.
O posicionamento inicial do lateral é, em boa parte dos sistemas táticos convencionais (4-4-2, 4-3-3, 4-5-1), alinhado com os demais defensores. A localicação desta linha depende da estratégia elaborada pelo treinador - adiantada até a intermediária, retirando espaço do adversário e aplicando marcação a pressão-alta; ou recuada, em frente à área, cedendo terreno e posse de bola para investir nos contra-ataques.
A tática individual do lateral também é tão óbvia quanto o seu posicionamento inicial. Qualquer lateral em qualquer sistema precisa apoiar pelo lado quando a equipe tem a posse, e proteger a sua zona de marcação quando a equipe perde a bola. Por isso, quando perguntado sobre quais laterais brasileiros poderiam exercer essa função, eu respondi: “todos”. Afinal, se um lateral não quiser marcar, ou apoiar, precisa mudar de profissão. É como um bancário que só faz saques, mas se nega a realizar depósitos.
O ruído de comunicação se dá em função da disseminação do 3-5-2/3-6-1 brasileiros. Os ditos alas não aplicam o conceito italiano, original do sistema, de utilização do ala como um meio-campista. Os alas brasileiros jogam praticamente como os wingers do 4-4-2 britânico. São “laterais avançados”. Cumprem funções ofensivas praticamente restritas aos lados do campo. O posicionamento inicial é alinhado aos volantes, mas a área de atuação é a mesma faixa dos antigos laterais.
Ver tantos alas ofensivos nos sistemas com três zagueiros nos induz ao erro de acreditar que não há mais espaço para laterais apoiadores. Lateral é o marcador, ala é o apoiador. Errado. Se o jogador da posição é considerado muito incisivo, ou veloz, ou eficiente no apoio, logo é rotulado como um ala - unicamente - sem remissão. “Não pode ser lateral, ele não marca. Ele sobe muito”. O erro conceitual leva treinadores a modificar o sistema tático da equipe e adotar o 3-5-2 (ou 3-6-1) para “dar liberdade ao ala, aproveitar a qualidade dele no apoio”. Eu discordo.
É da função do lateral marcar e apoiar. Se um jogador desta posição demonstra facilidade no apoio, combinada à dificuldade na marcação, não é necessário descartá-lo, rotulá-lo como ala, ou mudar o sistema da equipe. É obrigação do treinador ensiná-lo a ser lateral. Como bem disse Paulo Autuori ao descartar o uso do 3-5-2, é “culpa” desta disseminação dos três zagueiros a formação de laterais pouco qualificados nas categorias de base. Estão ensinando errado desde cedo.
Nos sistemas com linha defensiva de quatro, a marcação é por zona. Com sincronias de coberturas. Não há motivo para pânico. O feijão-com-arroz é bem simples de ser feito. Apoio alternado dos laterais - vai um, o outro fica (ao contrário do apoio simultâneo dos alas), marcação por zona com pressão sobre a bola, aplicação tática no posicionamento inicial (não “bagunçar” a linha) e cobertura dos volantes. O bê-a-bá do 4-4-2 e do 4-3-3 clássicos.
Dois exemplos que usaram no debate: Vitor e Júlio César não podem ser laterais no Goiás. Jonathan e Diego Renan também não, no Cruzeiro. Mas como não? A tática individual do ala só existe em sistemas com três zagueiros, enquanto a do lateral persevera em todos os demais. Quer dizer então que Vitor e Júlio César só podem ser escalados no 3-5-2 ou no 3-6-1? Discordo.
Eles podem sim atuar como laterais, no próprio Goiás, se assim quisesse Hélio dos Anjos: basta sincronizar o apoio alternado, e a cobertura dos volantes. Pronto. Vale o mesmo para o Cruzeiro, que atua no 4-4-2 com losango no meio, e tem cobertura dos apoiadores aos laterais. E tem dado certo, com Marquinhos Paraná na cobertura pela esquerda, e Fabrício na direita.
O treinador - refiro-me ao bom treinador, ao técnico qualificado - não pode fugir à responsabilidade professoral. Quando percebe em um lateral carências que o impedem de cumprir as premissas desta tática individual, precisa ensiná-lo. É dever do técnico orientar seus laterais a manter o posicionamento inicial sem a bola, a atuar na zona de marcação com pressão sobre a bola, a apoiar de maneira alternada percebendo quando o companheiro do lado oposto está se deslocando, a dosar a energia no vai-vem para não se desgastar. Dando também atenção aos volantes na cobertura.
Não é romantismo, nem faceirice. Laterais apoiadores não precisam do estereótipo “ala”, nem do estigma de incapacidade para jogar em linha de quatro defensores. Precisamos é de técnicos, desde as categorias de base, sem preguiça de ensinar e orientar os atletas a cumprir a função de maneira correta, como sempre aconteceu. O caminho mais fácil e usual no Brasil é o treinador colar na testa de um lateral com características ofensivas o adesivo “ala”, e descartá-lo no 4-4-2, para usá-lo apenas no 3-5-2. Raro é ver um treinador esmerando-se em sincronizar movimentos, táticas de grupo, capazes de permitir que os laterais cumpram a função básica do lateral: marcar e apoiar.
Postagem de 6 de novembro de 2009
Eduardo Cecconi
Redator de Esportes - clicRBS
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1 Com a Palavra:
Gostei , Parabens .
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